Três dias imersos em aulas sobre preservação de árvores nativas

Três dias imersos em aulas sobre preservação de árvores nativas

Curso no JBA, em parceria com o BGCI, apresentou técnicas de identificação de espécies e de coleta e germinação de sementes

Tânia Rabello

Esta reportagem poderia começar de um jeito meio formal, contando que o Jardim Botânico Araribá (JBA), em Amparo (SP), promoveu, entre o fim de maio e o início de junho, um curso sobre identificação e coleta de sementes de árvores nativas, em parceria com a ONG britânica Botanic Gardens Conservation International (BGCI). Curso que contou com a participação de gente de vários pontos de São Paulo, de outros Estados e da Inglaterra, representada pela querida Noelia Alvarez, do BGCI.

Mas é melhor começar pelo fim do curso e a transformação que ele provocou em todos.

Após três dias de convivência no Sítio Duas Cachoeiras, sede do JBA, o que mais marcou os 26 participantes foi a consonância em torno de um objetivo principal: a preservação de florestas e de árvores nativas do Brasil. E, o mais gratificante: cada qual na sua especialidade, diversa e preciosa, contribuindo concretamente para proteger, multiplicar, restaurar ou manter intacto o verde de nossas matas.

 

Não houve um depoimento colhido, no encerramento daqueles três dias, que não ressaltasse o quanto as informações ali passadas foram importantes para a continuidade do trabalho de cada um, ou até um início promissor e de esperança de que se está no caminho certo da preservação ambiental. Preservação concreta. Muito além das intenções apenas urbanas ou dos abaixo-assinados das redes sociais. Os famosos “gente que faz”, anônimos, mas essenciais para contribuir para a manutenção da nossa biodiversidade. Várias dessas pessoas se concentraram ali, naquele curso cujo nome, apesar de grande – “Identificação e Coleta de Sementes de Árvores Nativas” –, jamais conseguiria contemplar todas as vivências e conhecimentos compartilhados.

Estavam lá desde a senhora que se mudou de mala e cuia, com o marido, para o alto da Serra da Mantiqueira e quer transformar cerca de 15 hectares de mata nativa no topo do morro em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), até estudantes de biologia da Universidade de Campinas (Unicamp), que estagiam ou trabalham no herbário e tiveram a oportunidade de relembrar úteis informações sobre identificação de árvores e como colher e conservar amostras vegetais para o banco de espécies da universidade. Entre esses estudantes, a jovem Luana, de 20 anos. Ela é colaboradora no Sítio Duas Cachoeiras e se motivou a cursar biologia justamente por causa de todas atividades desenvolvidas ali.

Havia também um senhor, produtor orgânico, de tradicional família de agricultores de Jaú, no interior de São Paulo, cuja propriedade rural, cercada de canaviais, milagrosamente preserva mais de 140 hectares de mata nativa primária, já transformadas em RPPN e, futuramente – por isso ele foi ao curso, para trocar ideias, aprender mais – em jardim botânico. E garotas escaladoras, que ensinaram como subir em árvores para coletar frutos, flores e sementes com total segurança para posterior identificação e conservação.

 

 

 

 

E mais uma farmacêutica, Edilene, especializada em fitoterapia e estudiosa sobre o poder medicinal de plantas nativas da Mata Atlântica e outra, psicóloga com um sítio no sul de Minas Gerais, mais interessada na preservação da mata em si do que em só produzir.

Havia, ainda, um agrônomo, Ivan, que já frequenta há anos o sítio e ajudou em vários preparativos para o curso e também dando “formato” ao jardim botânico, bolando, por exemplo , placas de identificação das espécies de árvores a partir de sucata de computadores. E dois representantes de jardins botânicos no interior de São Paulo – em Jundiaí e Itatiba – sedentos por informações valiosas para estruturar esses importantes espaços verdes.

Por fim, até uma tricoteira-tradutora e… uma jornalista, esta que vos escreve.

A professora Eliana Ramos, bióloga especializada em botânica, ensinou, com didatismo incrível, os meandros da diversidade de nossa flora nativa e por onde começar para identificar cada espécie de árvore brasileira – uma das aulas do curso. Ela mostrou e traduziu, na prática, palavras tão familiares no meio em que convive, mas, para leigos, quase grego: exsicata, folíolos, acúleos, lenticelas, tricomas… Ninguém nunca mais vai observar um ramo de árvore sem se lembrar de tudo o que Eliana ensinou naquele dia.

 

Além dela, Emilson Rabelo, engenheiro agrônomo e responsável por um viveiro de 1,5 milhão de mudas em Araraquara (SP), que detalhou na prática como identificar sementes na mata, ver se estão “no ponto de colheita”, conservá-las e fazê-las germinar. Generosamente, revelou a todos, em uma das aulas, vários dos segredos que aprendeu ao longo de 30 anos trabalhando com árvores nativas, principalmente em relação à por vezes difícil tarefa de “quebrar a dormência” de sementes, ou seja, conseguir com que germinem.

Cada qual, afinal, trouxe a sua riqueza de conhecimento para trocar entre a noite do dia 31 de maio e a tarde de domingo, 2 de junho.

Tudo começou em uma fria noite de sexta-feira, quando, ao piano, o educador ambiental e produtor agroecológico Guaraci Diniz, guardião da RPPN Duas Cachoeiras e idealizador do JBA, tocou “Luz do Sol”, de Caetano Veloso. Enquanto isso, Lucila Assumpção propunha aos presentes uma arte-atividade baseada em todos os seus aprendizados junto à natureza, na RPPN Estância Jatobá, em Holambra (SP).

Em seguida, Noelia Alvarez, representante do BGCI, apresentou o trabalho da ONG pelo mundo e seu interesse em estimular investidores a preservar espécies arbóreas ameaçadas – no JBA, o BGCI contribui com um trabalho de preservação do pau-brasil, do ipê-felpudo, do cedro-rosa e do tataré, com recursos da Franklinia Fondation e da Global Trees Campaign, com vários parceiros. Noelia ressalta à repórter: “O BGCI tem trabalhos de preservação vegetal em vários países latino-americanos; no Brasil, este (do JBA) é o primeiro”, orgulha-se, enlevada, ao fim do curso, com o acolhimento que teve, com tudo o que aprendeu no JBA, ouviu do seu anfitrião, dos professores e participantes.

Também naquela mesma noite, a convite do BGCI, Pablo Hoffmann, do Instituto Chauá, trouxe as informações sobre o trabalho de preservação que mantém no Paraná, ligado às quase extintas florestas de araucárias.

E, como não poderia deixar de ser, Guaraci Diniz também apresentou o Sítio Duas Cachoeiras, uma área de 30 hectares, e contou como ao longo de 34 anos reflorestou todo o terreno, transformando-o posteriormente na RPPN Duas Cachoeiras e, mais recentemente, no Jardim Botânico Araribá, que hoje leva à frente o projeto em parceria com a BGCI.

O bacana é que o curso prático não vai parar por aí. Vários dos alunos voltarão para os seus locais de atuação, como as RPPNs e jardins botânicos,

comprometidos em fazer o plantio e o monitoramento daquelas quatro espécies ameaçadas de extinção, que é, afinal, o objetivo do projeto do JBA, em parceria com o BGCI.

Outra parcela dos participantes atuará periodicamente no próprio JBA, com a coleta de sementes e de vegetais, a fim de confirmar sua identificação. Posteriormente, essas amostras serão levadas para registro no Herbário UEC, da Unicamp, com o qual o JBA mantém convênio para classificação e depósito das exsicatas, que nada mais são do que as amostras retiradas de cada árvore e devidamente acondicionadas e conservadas.

Tudo isso para aprender mais e multiplicar. Cada um na sua especialidade, formando o todo e a biodiversidade.

 

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