Um curso para aprender a conservar sementes de espécies nativas

Um curso para aprender a conservar sementes de espécies nativas

A agrônoma Noelia Alvarez, do BGCI, ministrou três dias de aulas sobre o tema, dentro do projeto de preservação de árvores ameaçadas de extinção, parceria do JBA, Frepesp e Fundação Franklinia

 Por Tânia Rabello

Coletar e conservar sementes de árvores nativas para multiplicação e conservação de florestas é uma arte. São tantos os detalhes a serem observados, regras e leis a serem respeitadas, cuidados a serem tomados e ciclos naturais das espécies a serem conhecidos que os interessados em ingressar neste universo precisam se informar a respeito, e muito.

Para tanto, o Jardim Botânico Araribá (JBA), juntamente com o Botanic Gardens Conservation International (BGCI), a Fundação Franklinia e a Federação das Reservas Ecológicas Particulares do Estado de São Paulo (Frepesp), promoveram o curso de coleta e conservação de sementes, entre os dias 18 e 20 de maio, para os integrantes da equipe técnica e gestores das RPPN aprenderem mais ou se aperfeiçoarem no tema.

O curso foi online – em razão das limitações de encontros presenciais por causa da pandemia de covid-19 – e ministrado pela engenheira agrônoma Noelia Alvarez, gerente de Projeto de Conservação de Plantas para a América Latina da ONG britânica BGCI, e foi mais um passo dado dentro do projeto de preservação de quatro espécies nativas da mata atlântica, financiado pela Fundação Franklinia.

Entre os participantes, 17 no total, estavam gestores e mantenedores de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) no Brasil, viveiristas, agrônomos, estudantes de agronomia, biólogos, músicos, funcionários de unidades de conservação e voluntários em projetos do JBA. Todos, de uma maneira ou outra, envolvidos com conservação de florestas nativas do Brasil.

Foram três dias de aulas, divididas nos seguintes módulos: Planejamento (na coleta de sementes); Priorização e pré-avaliação (na coleta) e, por fim, Coleção de sementes. O terceiro dia contou, ainda, com a participação especial da bióloga Cátia Freitas, que trabalha no Banco de Sementes dos Açores e apresentou um pouco da instituição (veja abaixo).

 

De olho nas regras

Noelia ensinou aos participantes, por exemplo, que a coleta de sementes nativas deve respeitar certas regras, como a obtenção de autorizações dos proprietários ou gestores das áreas nas quais as sementes serão coletadas, e, por vezes, autorizações legais e a necessidade de observar se as espécies fazem parte de alguma lista de proteção. Como exemplo, citou algumas normativas sobre o tema no Reino Unido e na Austrália – no país da Oceania comunidades aborígenes têm de autorizar a coleta de sementes de algumas espécies. “Algumas podem ter um significado especial para essas comunidades e não podem ser tocadas”, citou Noelia. “Há também situações em que a autorização para coleta de sementes está condicionada ao depósito de uma amostra do material em uma instituição nacional de conservação de florestas”, continuou, e recomendou: “Se as sementes forem enviadas a outros países, deve-se consultar as autoridades competentes sobre as regras fitossanitárias”.

Outra dica apresentada pela representante do BGCI diz respeito à melhor época para coleta: esta deve ser feita no estágio de máxima dispersão das sementes pelas plantas matrizes. “Isso maximiza a longevidade do material coletado durante o armazenamento”, assegurou.

Prepare-se com antecedência

Noelia ensinou também sobre a necessidade de se fazer um levantamento e estudo prévio das áreas de vegetação nas quais as sementes serão coletadas, além dos equipamentos de segurança e de logística necessários para a operação, ressaltando que esse planejamento é essencial, “para que não se perca tempo e o trabalho seja otimizado”. Além disso, profissionais capacitados para a tarefa são essenciais, como escaladores de árvores, taxonomistas, coletores e navegadores de trilhas.

Ela assinalou a importância do planejamento com antecedência, a fim de se estar “na área correta e no momento adequado para coletar sementes de forma rápida e eficiente”, ainda mais se se levar em conta que muitas áreas são de difícil acesso, ou as espécies vegetais estão distribuídas em diferentes lugares e até em diferentes países, com regulações diferentes.

Em relação à seleção de espécies vegetais alvo da operação, esta deve obedecer aos objetivos do projeto – e, obviamente, às legislações pertinentes. Por exemplo, a coleta pode ser feita de espécies sob risco de extinção (para multiplicação e preservação – caso, inclusive, do projeto entre o JBA/Frepesp); de espécies endêmicas; de espécies econômicas; de espécies ecológicas e também emblemáticas para se promover a conservação de um hábitat.

Critérios na coleta


Noelia lembrou ainda que, conforme a “Estratégia mundial para conservação de espécies vegetais”, deve-se coletar as sementes e conservar pelo menos 75% delas em coleções “ex situ”, “preferencialmente no país de origem”, e destinar ao menos 20% para programas de recuperação e restauração. Além disso, citou a importância de se coletarem “sementes sãs e íntegras”, sem, por exemplo, furos provocados por insetos. Mas avisou: “Não colete mais de 20% das sementes maduras disponíveis na planta”, regra importante para garantir que a espécie continue a se multiplicar na natureza. “Nunca colete sementes em excesso” – uma regra de ouro.  Para espécies ameaçadas ou raras, por exemplo, deve-se coletar no máximo 50 sementes por árvore, assinalou.

O número de sementes retiradas de cada planta varia também conforme o objetivo da coleta, disse a agrônoma, que exibiu, em sua apresentação, uma tabela de objetivos e de número ideal de exemplares. Entre os objetivos, estão conservação, manutenção, distribuição, propagação e restauração. Ensinou também a preencher fichas de coletas de forma padronizada, para que seja possível compartilhar esses dados com instituições interessadas do mundo todo.

De quais indivíduos coletar

No módulo 3 do curso, intitulado “Coleção de sementes”, lembrou, por exemplo, que a diversidade genética aumenta de acordo com o tamanho da população de espécies vegetais. Por isso, quanto maior a área de coleta, mais diverso será o material. “Colete amostras de grandes populações de espécies”, recomendou. Citou estudos, por exemplo, que indicam que, em vegetais que se reproduzem por fecundação cruzada, é necessário coletar material de 45 indivíduos para se obter 99% dos genes mais comuns. Já em espécies que se reproduzem por autofecundação, é necessária a coleta de 60 indivíduos para se obter 95% da diversidade genética da espécie.

Entre as estratégias para garantir a diversidade, Noelia recomendou que a coleta deve ser feita de forma aleatória e em toda a área, e não em setores concentrados. “A distância espacial é importante para capturar uma maior diversidade”, disse. “A coleta também deve ser feita de diferentes partes da planta.”

Outro ponto importante é registrar o local e o exemplar do qual as sementes foram coletadas. Mostrou, além disso, as diversas técnicas para retirar as sementes das plantas, que variam conforme o porte de cada espécie. Entre elas, estão trepar nas árvores, podar galhos, uso de instrumentos de alcance e sacudir a árvore, entre muitos outros. Aproveitou, ainda, para comentar sobre a possibilidade de se fazer a coleta de partes das plantas para herbários e as técnicas recomendadas para sua conservação, como a confecção de exsicatas, e por fim, o manejo pós-colheita das sementes.

Banco de sementes dos Açores

O terceiro dia de curso contou com a participação especial da bióloga Cátia Freitas, que é do Banco de Sementes dos Açores, arquipélago português no meio do Atlântico. O projeto também conta com apoio do BGCI. Ela apresentou aos participantes os trabalhos do banco de sementes, que conserva 573 amostras de espécies vegetais nativas e endêmicas – “sendo apenas 5 espécies de árvores, já que há poucas árvores nativas dos Açores”, ressaltou Cátia – e 59 espécies de plantas tradicionais, mas não necessariamente nativas dos Açores.

Segundo ela, das sementes de espécies nativas e endêmicas há um estoque de 21,3 milhões de exemplares e, das tradicionais, cerca de 172 mil sementes. Trata-se de um banco bastante representativo do arquipélago, que é formado por nove ilhas – o banco está instalado na ilha Faial, a maior delas.

Segundo a bióloga, até o momento foram identificadas, nas matas dos Açores, 300 espécies nativas, das quais 75 endêmicas. No caso das espécies “tradicionais”, já foram catalogadas 59 delas. Por tradicionais entenda-se sementes de plantas usadas tradicionalmente na culinária açoriana, entre outras aplicações consagradas no arquipélago.  “Fazemos ali monitoramento de espécies e hábitats, ensaios de germinação e propagação de indivíduos para reintrodução na natureza”, descreve Cátia, que apresentou também a estrutura do banco de sementes, que conta, entre outros equipamentos, com câmaras frias para conservação do material genético, além de equipamentos para limpeza delas.

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